Adolescência (ler mais)

26-07-2023

Todos os adolescentes têm de lidar com desafios resultantes de mudanças cognitivas e físicas, emergência da sexualidade, conquista de independência e formação da identidade. 

Os desafios da adolescência

Todos os adolescentes têm de lidar com desafios resultantes de mudanças cognitivas e físicas, emergência da sexualidade, conquista de independência e formação da identidade.

Na primeira fase da adolescência, pelos 12-14 anos, ocorre um salto quântico no pensamento cognitivo, com o desenvolvimento do pensamento operatório formal e raciocínio abstrato. A pesquisa realizada através da neuro-imagiologia tem revelado alterações significativas no córtex pré-frontal, nas zonas ligadas às associações cognitivas de ordem superior. Relativamente à massa cinzenta, observa-se uma sobreprodução de novas conexões neuronais, semelhante à que ocorre no início da infância, seguida de uma eliminação das conexões que deixam de ser usadas. Ou seja, as conexões neuronais passam a ser em menor número do que na infância, mas mais seletivas e fortes. No que se refere à massa branca, há um processo intensivo de mielinização dos axónios, o que permite uma maior velocidade e precisão na transmissão dos impulsos elétricos ao longo das fibras nervosas. As técnicas imagiológicas revelam assim que na puberdade ocorre uma mudança qualitativa das áreas cerebrais responsáveis pela capacidade para elaborar raciocínios complexos e refletir sobre estados mentais, seus e dos outros.

Outra grande mudança que requer adaptação por parte do adolescente é de ordem física, com o aumento da altura e peso, desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, como a pilosidade corporal ou o tom da voz, e a maturação dos órgãos sexuais para a sua função reprodutora. Podem surgir dificuldades em integrar estas alterações, variando de dificuldades ligeiras a extremas. Algumas raparigas escondem o corpo em roupas largas, enquanto outras usam roupas muito curtas e reveladoras das formas físicas. Alguns rapazes focam-se em evidenciar excessivamente a sua masculinidade, enquanto outros se retraem numa atitude mais cerebral. A identidade de género pode tornar-se mais definida ou, pelo contrário, os adolescentes podem começar a expressar discordância entre o género e as características sexuais fenotípicas.

Na adolescência, as relações com pares e os relacionamentos românticos assumem uma importância especial. Ocorre um afastamento relativo aos vínculos familiares para explorar novas e complexas formas de relação, onde o adolescente pode desenvolver e testar a sua identidade em formação. Ele sente a sua singularidade sempre que consegue agir no mundo e obter dele aprovação - isso confere-lhe certo status social. Os relacionamentos, incluindo os amorosos, e o sentimento de agência/ autonomia são as duas áreas de gratificação centrais na adolescência e concorrem para o processo de diferenciação e integração do Self.

O grau de autonomia e independência que se permite aos jovens adolescentes, varia em função de cada cultura. No nosso país, tal como em muitos outros, existe um misto de cedência e limitação da independência. Exige-se que o adolescente já saiba desempenhar certas tarefas de forma autónoma (sem ajuda), mas em tarefas escolhidas pelos adultos. Pede-se ao adolescente que escolha o seu lugar na sociedade, que estude para o exercício futuro de uma profissão, se bem que o adolescente ainda está a descobrir quem é e dificilmente sabe o que quer. Lembremo-nos que a adolescência é tipicamente uma moratória psicossocial. A verdadeira autonomia do jovem, seja na vida amorosa ou em termos de status social, só poderá ser vivida ao principiar a vida adulta. O adolescente terá, por assim dizer, que aprender a adiar a gratificação. Terá de aprender a gerir a sua frustração, realizando desempenhos sem obter a recompensa imediata, mas mantendo-se ativamente em exploração e em estado de desejo - o que poderá ser, podemos ponderar, uma das vantagens adaptativas da moratória psicossocial em termos evolucionários.

Durante a adolescência, os jovens têm de aprender a lidar com uma grande variedade de situações novas, num momento em que a sociedade lhes exige mais em termos de autonomia e desempenho, e em simultâneo têm de confrontar-se com demandas crescentes ao nível físico, mental e emocional. Este desafio provoca níveis de stress muito elevados e típicos na adolescência, podendo levar a flutuações emocionais e a comportamentos aparentemente contraditórios, ora progressivos ora regressivos. A chamada "crise da adolescência" é na maior parte das vezes um processo saudável e necessário à construção da identidade, a ausência de crise pode ser mesmo patológica – o que não exclui a emergência de psicopatologia na adolescência. O envolvimento da família, procurando respeitar e compreender o que possa estar a acontecer na mente do/a filho/a, é fundamental para encontrar soluções satisfatórias para as mudanças em curso.

Identidade

A tarefa central da adolescência é desenvolver um sentido de identidade estável e coerente. O adolescente vai precisar de integrar elementos de identidade já adquiridos numa nova forma, unicamente sua, que progressivamente se aglutine numa autodefinição realista e essencialmente positiva, com consistência das suas autoimagens e continuidade narrativa da sua história pessoal.

O paradoxo da identidade é que ela acontece através da identificação com as pessoas mais significativas da sua vida, mas por diferenciação face às mesmas. Não é, portanto, uma tarefa fácil. Sendo um empreendimento muito pessoal, está em estreita interligação com os papéis assumidos nas relações com os outros, em particular nos relacionamentos íntimos (de amizade ou amorosos). Individuação e capacidade de relação são dimensões complementares do desenvolvimento da identidade. Na medida em que um adolescente consiga ajustar a distância e a proximidade nos seus relacionamentos, ajustando comportamentos e atitudes interpessoais de forma flexível em função dos contextos, terá maior facilidade nesta tarefa de construção da identidade e terá a segurança interior necessária para experimentar as relações como um suporte para a sua identidade emergente.

A construção da identidade é um processo longo, que normalmente se prolonga após os 20 anos de idade. É um processo que envolve ansiedade, oscilações na autoestima, conflito entre o que deseja e o que é esperado de si, conflito pelas expectativas parentais divergentes das do grupo de pares, lidar com a pressão para assumir novos papéis sociais, não se reconhecer nesses papéis, períodos em que a experiencia interior é simplificada por estereótipos, momentos de conformismo em que a identidade é baseada nas escolhas/valores dos outros, explorações ativas para conseguir empreender tarefas dirigidas por si mesmo sem necessidade da aprovação dos outros. É um processo de avanços e recuos até o jovem alcançar uma autodefinição clara (em termos de objetivos, compromissos e papéis) e conseguir interagir de forma espontânea e flexível, em contacto com as suas emoções e com respeito pela integridade dos outros.

Considera-se que o processo de construção da identidade é apoiado pela possibilidade de imaginar "possíveis identidades futuras" que o adolescente deseje ser (ou que deseje evitar ser). Facilitada pelo advento do pensamento formal e abstrato, esta projeção no futuro, do que pode vir a ser um dia mais tarde, é um aspeto importante na avaliação da identidade do adolescente.

Impulsividade

Apesar das modificações na região do córtex pré-frontal na adolescência, que acompanham o desenvolvimento cognitivo significativo do adolescente, vários estudos têm revelado que durante este período há uma ativação exagerada das regiões límbicas subcorticais, assim como um atraso na conectividade funcional entre estas regiões e as áreas pré-frontais. Estas regiões límbicas estão implicadas na aprendizagem através da recompensa e, aparentemente, o controlo cognitivo exercido sobre a mesma permanece insuficiente.

Apesar do adolescente mostrar uma melhoria crescente na sua capacidade de regular as emoções, integrar informação sobre estados mentais e ser capaz de usar uma linguagem explicita para expressar e compreender o que sente, ele permanece num estado de hipersensibilidade e sujeito a alterações súbitas de emoções. Agir sem pensar pode ser por vezes a única forma do adolescente exprimir afetos intensos e libertar a angústia – aparentemente, há um pico de comportamentos de risco na adolescência que depois decresce durante a juventude adulta. É possível que o padrão de impulsividade observado na adolescência possa ser explicado pela dissociação entre o desenvolvimento lento e linear dos sistemas de controlo top-down e o sistema de desenvolvimento não-linear do sistema de recompensa, o qual é frequentemente hiper-responsivo durante a adolescência. Ou seja, há uma combinação entre um circuito de recompensa desproporcionado e um sistema neuronal de controlo subdesenvolvido e sobrecarregado. Isto pode explicar o motivo pelo qual os adolescentes parecem colocar a ênfase nos aspetos potencialmente gratificantes da tomada de risco, mostrando uma capacidade mais reduzida de controlo regulatório. Pode, igualmente, ter implicações nas tomadas de decisão na adolescência, que é particularmente modulada por fatores emocionais e sociais, quando os contextos são muito carregados afetivamente.

Dados das neurociências têm revelado alterações importantes no sistema regulatório de stress, nomeadamente ao nível do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal, o qual sofre uma reorganização estrutural e funcional na adolescência e evidencia uma maior ativação quando comparado com crianças e adultos em situações stressantes. No geral, os adolescentes têm revelado níveis basais elevados de stress e uma reação mais elevada ao stress e à rejeição.

O adolescente parece que vive "à flor da pele", num turbilhão de emoções. O seu foco nas relações com os pares aumenta a sensibilidade à avaliação dos outros e medo da rejeição. As exigências para resultados de desempenho, nomeadamente académicos, aumentam a sua sensibilidade ao fracasso. A emergência da sexualidade púbere aumenta o número de desafios com o qual tem de lidar. Ao longo dos chamados teens é expectável que ocorra uma redução significativa da impulsividade e uma maior capacidade de regulação das emoções (em paralelo com a maturação do sistema límbico), mas é importante lembrar que o adolescente pode necessitar de algum apoio para controlar os seus impulsos e modular a zanga, ou outros afetos negativos.

Um momento de crise

Não se compreende ainda muito bem os mecanismos envolvidos nos sentimentos de aborrecimento típicos na adolescência e os comportamentos compensatórios para ultrapassar os sentimentos intensos de frustração através, por exemplo, da tomada de risco, comportamentos de oposição, ou mesmo do abuso de substâncias psicoativas. Não deixa de ser curioso que o sistema de recompensa funcione de forma deficitária, com níveis alterados de dopamina e outros neurotransmissores relacionados com a dor emocional, num momento em que o adolescente está particularmente sensível à perda social e rejeição de status, e em que por outro lado lhe é exigido que adie a gratificação para um futuro longínquo. O substrato neurofisiológico da vida emocional e as condicionantes externas estão de algum modo imbricadas de forma interdependente.

A adolescência envolve uma crise de desenvolvimento que faz parte do ciclo vital. A reatividade às normas familiares e sociais fazem parte do processo de individuação e busca da identidade. A agressividade pode ser encarada como forma de testar os limites da sua personalidade emergente, sendo uma parte natural do desenvolvimento.

A crise é um momento temporário de desequilíbrio, não só para o adolescente em maturação mas que também desestabiliza a organização familiar. O adolescente está a tentar descobrir quem é, como se posiciona em relação aos outros, qual o seu lugar na família, que papéis quer ou consegue assumir. Naturalmente, e como em qualquer crise, há um potencial de perigo e de oportunidade de mudança construtiva. Quando o sistema envolvente (família, amigos, escola) se adapta às mudanças em curso no adolescente, a sua ansiedade é contida. Ainda que em momentos de maior agressividade ou desafio possa não ser fácil para o adulto conseguir manter-se calmo e com capacidade para tranquilizar o adolescente, é importante ter em mente que o emprego de mecanismos rígidos de controlo da situação podem desencadear o início agudo de um sintoma ou comportamento patológico. Acima de tudo, e independentemente da causa, o adolescente está a tentar gerir doses elevadas de ansiedade nesses momentos.

Etapas da adolescência

12-14 anos

É o período das grandes mudanças físicas da puberdade. Muitos adolescentes lutam com o sentido da sua identidade, podem sentir-se estranhos sobre si próprios e sobre os seus corpos. Devido às alterações hormonais e afetos sexualizados é comum, para rapazes e para raparigas, envolverem-se em atividades masturbatórias, tendo preocupações de isso não ser normal. Alguns manifestam oscilações repentinas de humor e, quando estão sob stress, voltam a exibir comportamentos mais infantis. Nestas idades é frequente encontrar níveis baixos de autoestima, autonomia e um sentido identidade algo difuso. A timidez, o rubor e modéstia são comuns. Os relacionamentos são focados em questões superficiais, sendo que as raparigas tendem a ter uma maior intimidade relacional mais cedo que os rapazes. Nesta fase, os adolescentes parecem ceder à pressão dos pares para a conformidade e são geralmente autocentrados. Cognitivamente confiam na intuição e em estilos dependentes de tomada de decisão. Mostram um maior interesse pela privacidade e pode haver uma maior inclinação para testar regras e limites.

15-16 anos

O crescimento físico abranda nas raparigas e continua para os rapazes. A capacidade de autorreflexão aumenta, com interesse pelo raciocínio moral e pensamento sobre o sentido da vida. Por haver uma tendência para maior afastamento face aos pais e, ainda, uma ausência de um Self claro, o adolescente procura orientação nos seus pares. Nesta idade, a vulnerabilidade à pressão de grupo é muito elevada. O conformismo é alto e as aspirações do adolescente mudam rapidamente. O raciocínio moral tende a ser de tipo convencional. A identidade é estabelecida a partir de escolhas ou valores dos outros. Têm locus de controlo externo e são especialmente orientados para um futuro mais distante. Os estilos de intimidade tendem a ser estereotipados e mais preocupados com aspetos superficiais da relação, partilhando este aspeto com amigos de status de identidade semelhante. Têm sentimentos mistos de ternura e medo perante os pares de quem gostam amorosamente, podendo sentir preocupação pela sua atratividade sexual. Adolescentes heterossexuais podem ter ansiedade sobre possível homossexualidade, homossexuais podem sentir-se marginalizados. Cognitivamente, os adolescentes nesta altura têm dificuldade em integrar ideias e pensar analiticamente, podendo cometer erros de julgamento devido a atenção reduzida. Pode haver uma procura ativa de experiências sexuais, hedonistas ou de tomada de risco, como forma de estimulação e procura de novidade. Pode haver o seu oposto: uma postura hiper-moralista, um envolvimento obsessivo com atividades idealistas ou intelectuais. Os adolescentes podem negar a sua vulnerabilidade através de atos impulsivos que confrontam o medo, ou podem retirar-se da ação do mundo. Há jovens que tentam distanciar-se assim que possível dos pais, enquanto outros parecem não querer ou ser incapazes de se autonomizar. Algumas famílias sentem o conflito e redução de calor afetivo por parte dos filhos. No entanto, essa manifestação não significa necessariamente uma deterioração da relação mas apenas uma fase de insegurança.

17-19 anos

As raparigas estão, em geral, plenamente desenvolvidas. Os jovens rapazes continuam a crescer em altura e peso. Nesta última etapa que antecede a idade adulta, os jovens já adquiriram um sentimento mais firme de identidade e maior estabilidade emocional. Na verdade, ainda na fase anterior e gradualmente, começam a ocorrer explorações ativas da identidade e uma integração do Self, permitindo que gradualmente o adolescente consiga ficar mais calmo e confiante nas suas competências internas (com maior controlo sobre as suas emoções e ações). Nesta fase é evidente a capacidade crescente para adiar a gratificação. Cognitivamente, os adolescentes evidenciam um estilo analítico e são capazes de integrar e analisar informação por diversas perspectivas. São mais empáticos e envolvidos com os outros, em particular com as suas famílias. As relações próximas de amizade são caracterizadas pelo respeito pela integridade do outro e pela diferença. No final da adolescência, os jovens continuam a desenvolver uma visão mais matizada da sua sexualidade e identidade de género. Há uma abertura ao amor terno e mais sensual.


Bibliografia:

Erikson, E. (1963). Childhood and society. 2nd ed. New York/London: W.W. Norton & Company Inc.

Lingiardi, V. & McWilliams, N. (Eds, 2017). Psychodynamic Diagnostic Manual: PDM-2. 2nd ed. New York/London: The Guilford Press.

Rossouw, T, Wiwe, M & Vrouva I. (Eds. 2021). Mentalization-based Treatment for Adolescents: A Practical Treatment Guide. New York: Routledge.

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