A terceira Infância (ler mais)

26-07-2023

Nesta idade as crianças são muito produtivas. Emerge o prazer em ser aprovado, bem sucedido, ter mestria. A criança sente que a diligencia e perseverança podem ser recompensadoras, caso não seja exposta a exigências excessivas e inadmissão de falhas, que a desmotivem ou instiguem sentimentos de inferioridade.

O funcionamento mental entre os 7 e os 11 anos


A competência

Nesta idade as crianças são muito produtivas. Emerge o prazer em ser aprovado, bem sucedido, ter mestria. A criança sente que a diligencia e perseverança podem ser recompensadoras, caso não seja exposta a exigências excessivas e inadmissão de falhas, que a desmotivem ou instiguem sentimentos de inferioridade.

As crianças no período escolar precisam de praticar tomadas de responsabilidade, fazer escolhas e perseguir os seus objetivos de trabalho.

Observa-se nesta fase uma grande maturação e estabilização das competências. O aumento da força muscular permite melhorar a coordenação locomotora e consolidar aprendizagens físicas. A motricidade fina também se aperfeiçoa, facilitando uma escrita mais fluida e a capacidade de desmontar objetos com maior habilidade. A linguagem é cada vez mais usada para compreender e comunicar ideias e conceitos interrelacionados, e para exprimir desejos, necessidades, fantasias e raciocínios lógicos que procuram dar um sentido ao mundo. A capacidade de evocar e descrever informação visual e experiências aumenta.

As crianças nesta faixa etária são capazes de inibir de forma mais eficaz as respostas iniciais em favor de respostas que levarão a um melhor resultado. Ou seja, conseguem aprimorar e beneficiar-se de competências de organização, planejamento e regulação (da atenção e emocional).

Pensamento operatório concreto

Ler, escrever, usar números como sinais, ou sinais que representem operações matemáticas como a adição, a subtração ou a igualdade, requer que a criança já tenha construído uma compreensão sobre as mesmas. Essa compreensão é desenvolvida através de experiencias práticas e concretas, usando a manipulação ativa. Uma aprendizagem precoce destes sinais leva a uma aprendizagem superficial e por memorização sem compreensão, porque a criança não desenvolveu as estruturas mentais necessárias para realizar estas operações. 

Segundo a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget, a capacidade de realizar operações mentais lógicas emerge por volta dos 7 anos de idade, quando a criança inicia a aquisição de duas noções operatórias importantes: a conservação e a reversibilidade lógica.  Antes desta idade, no chamado período pré-operatório, a criança que observasse a água de um copo largo ser vertida num copo estreito, pensaria que a quantidade da água era diferente em cada copo ao ver o nível da água subir. Ou seja, a criança era influenciada pela imagem observada e não conseguia ter a noção de conservação da quantidade. A partir do momento em que começa a descobrir a lógica da reversibilidade, isto é, que o objeto readquire as características que tinha no inicio, ela consegue aprender a noção de conservação - o nível da água muda consoante a forma do corpo onde é vertida, mas a quantidade é sempre a mesma. A conservação consiste em compreender que elementos que aparentam ser diferentes podem ser equivalentes ou iguais. A um nível mais abstrato a noção de conservação irá ser equivalente ao conceito de igualdade matemática, por exemplo, que 2+2 é igual a 4.

Na terceira infância, a criança consegue fazer operações mentais mobilizando aprendizagens memorizadas e estabelecendo relações lógicas entre as ideias. No entanto, precisa de realizar múltiplas experiencias concretas até consolidar estas noções de conservação das características dos objetos (quantidade, comprimento, peso , volume) e as relações lógicas de reversibilidade. O seu pensamento é ainda muito concreto e literal, carecendo de suporte visual e da possibilidade de manipulação - ainda tem dificuldade em lidar com conceitos lógicos hipotéticos e verdadeiramente abstratos.

A criança começa a sair do egocentrismo do estágio anterior, conseguindo ver o mundo pela perspectiva dos outros. Percebe que os seus pensamentos são seus e que os outros podem não compartilhar as mesmas opiniões ou sentimentos. Apesar do avanço cognitivo, o pensamento da criança da fase de latência permanece rígido e concreto em algumas áreas, havendo uma tendência para pensar categoricamente sobre as pessoas (ex.º "Professores são injustos").

Pelos 11 anos, a criança adquiriu a capacidade de selecionar e integrar informação, mantendo a atenção enquanto minimiza o efeito de pistas conflituantes; a sua memória é bem organizada; recorre a estratégias de ensaio; a linguagem é usada para compreender e exprimir ideias complexas com relações entre alguns elementos; estabelecem-se as relações lógicas inversas e recíprocas, que vão crescendo em complexidade.

O brincar e as regras

Entre os 7 e os 8 anos, a criança recorre ao brincar simbólico para gerir sentimentos complexos e conflitos através de historias imaginadas. Alguns aspetos de padrões anteriores de triangulação estão ainda presentes numa fase inicial, com temas como as lutas pelo poder (ex.º o tema dos super-heróis), rivalidades entre os bons e os maus, intrigas e segredos familiares, desamparo passivo e alianças (dois contra um). Mostra um interesse crescente em partilhar as suas histórias, sentindo orgulho em mostrá-las a adultos interessados. Pela autoexpressão, a criança reforça o seu sentimento de agência e, por conseguinte, amplia o seu sentido de Self. Crianças com um historial de vinculação segura tendem a mostrar cenários de faz-de-conta mais ricos e complexos.

A partir dos 9 anos, há uma mudança do brincar de fantasia para atividades mais estruturadas. A criança envolve-se cada vez mais em experiências e desafios que assentam na realidade, tais como objetivos de aprendizagem, clubes, relações de pares. Estes aspetos tornam-se fontes de autoestima e de consciência da sua identidade no grupo.

Há, portanto, uma tendência progressiva para a exploração lógica dominar a fantasia, com aumento do interesse pelas regras e ordem, mas ressalve-se que a criança pode sentir tristeza e perda no contexto de regras concretas excessivas.

O mundo dos afetos

As crianças pelos seus 7 anos revelam uma paixão renovada pelo mundo, semelhante ao que se observa nos bebés quando começam a andar. Há evidência de uma relativa liberdade face às pressões internas relacionadas com os afetos da fase de desenvolvimento anterior, afetos de expansão e rivalidade que geravam vergonha e culpa. Simultaneamente, a criança começa a fazer grandes avanços na sua capacidade para focar a atenção e inibir comportamentos inapropriados, aspetos fundamentais para que consiga acolher e integrar informação. A criança está, assim, emocionalmente mais preparada para fazer aprendizagens sociais, incluindo as escolares.

É importante ressalvar que a criança quer mostrar o que consegue fazer e muitas vezes quer ser a melhor, mas estes desejos coexistem lado a lado com o medo do fracasso e humilhação. Uma vez que começam a comparar-se umas com as outras, surgem sentimentos de inferioridade ou incompetência. Esta situação é vivida de forma mais intensa quando as comparações provêm dos adultos. É importante que os pais e os professores lhes proporcionem oportunidades para mostrar as suas capacidades e que as encorajem a persistir, para que elas se sintam capazes de agir no mundo, confiando nas suas competências.

À medida que os sentimentos de culpa e vergonha recuam - resultado da ocorrência da sublimação - passa a haver menos externalização, provocação ou foco nos erros dos outros. Aumentam os comportamentos pró-sociais e diminuem os comportamentos de agressão física.

A criança vai fazendo uso de pistas sociais para monitorizar e regular as suas repostas afetivas e comportamentais , como o levantar a mão antes de falar, ou respeitar os pertences das outras crianças, em contextos sociais diversos. Recorre à sua experiência passada e ao planeamento antecipatório para conduzir as suas respostas. Há uma tolerância crescente à frustração e capacidade para adiar a gratificação, ainda que tendo relação com o tipo de ambiente a que a criança foi exposta e a fatores constitucionais. Há também menos vergonha e constrangimento na resposta às demandas de desempenho.

A partir dos 9 anos, os interesses passam a envolver experiências e desafios menos fantasiados e mais próximos da realidade. Tornam-se fontes de autoestima conseguir atingir objetivos de aprendizagem, fazer parte de um clube ou ter vivências conjuntas com os seus amigos. A socialização de pares torna-se mais intensa e a criança reforça o seu sentido de identidade através do grupo.

No final desta fase, a criança consegue exercer um controlo esforçado sobre os seus impulsos, aumentam a sua flexibilidade cognitiva e afetiva, e estas aquisições fazem com que se sinta mais competente, independente e segura. Lida com os aspetos imprevisíveis e frustrantes das situações de grupo, com maior flexibilidade e função reflexiva. A rigidez fica mais suavizada e a impulsividade diminui mesmo quando a criança fica mais agitada. Aumenta a capacidade de insight e há maior tolerância à responsabilidade pessoal. Uma criança com um desenvolvimento saudável, consegue parar para pensar, com o apoio de um adulto reflexivo, e usar defesas efetivas para se ajustar de forma flexível e lidar com situações desafiadoras.

À medida que a criança avança para a puberdade, vai-se preparando para uma despedida da infância. A sua confiança crescente permite-lhe ter uma perspectiva mais realista e menos idealizada dos pais. Surgem, em contrapartida, novas ansiedades relativas ao corpo e à temática da sexualidade, a quais são muitas vezes ultrapassadas pela formação de grupos de pares do mesmo género. As identificações de género cruzado são fluidas.

A fantasia pode ser importante para lidar com os afetos mais agressivos e/ou sexualizados, para compensar a perda de imagens parentais idealizadas e medos de inadequação.

A socialização

A criança encontra-se agora mais confiante e com uma autoestima mais estável que na fase de desenvolvimento anterior. Esta evolução interna permite que a criança se afaste dos cuidadores adultos e se dirija para o mundo externo de pares.

As competências interpessoais tornam-se cada vez mais complexas, por exemplo, interpretar comportamentos ambíguos como a ironia e o sarcasmo, ou compreender enganos sociais subtis tais como o bluff ou as mentiras inocentes. A criança consegue verbalizar sentimentos e responder de forma contingente a pistas não verbais (faciais ou sociais). Percebe que não é possível saber exatamente o que está na mente dos outros (opacidade da mente) e tem curiosidade para tentar compreender as perspectivas dos outros, manifestando uma atitude inquisitiva. A criança vai aprendendo a antecipar as consequências das suas ações, por exemplo, compreender as vantagens de falar de forma amável ou de seguir as regras. Ocorre, assim, uma internalização das regras que orientam o seu comportamento, pelo que tende a pô-las em prática mesmo quando não está a ser supervisionada.

Aumentam os sentimentos de empatia, interesse e preocupação com os seus pares. Surge de forma mais plena a capacidade de estabelecer relações de companheirismo e intimidade com alguns "melhores amigos". Os grupos de género são constituídos sobretudo de forma concreta e categorial, com progressiva segregação dos géneros nas brincadeiras. As relações tendem a ser organizadas em torno de papéis-modelo, com uso de estereótipos simplificados, seja com adultos seja com colegas. Ou seja, as relações com os pares são preferencialmente realizadas através de padrões ordenados, como acontece com os jogos de regras, o que ajuda a reduzir os sentimentos de insegurança que estas novas experiências sociais podem provocar, pela imprevisibilidade das situações grupais e novidade das aprendizagens. Ainda assim, a ansiedade relacionada com competências aos olhos dos seus pares é frequentemente observada. Uma criança que diz, por exemplo, "eu não brinco ao jogo dos quatro em linha porque é chato e estupido", está no fundo a tentar defender o seu valor próprio.

À medida que avança para a puberdade, as relações de pares continuam a crescer em importância e complexidade. Há uma preparação para estilos de relacionamento na adolescência, com padrões especiais na relação de pares do mesmo sexo e do sexo oposto. Aumenta a capacidade para relacionamentos de longo termo, com a integração relaxada de familiares, professor, pares e um melhor amigo. Possibilidade de uma relação especial com o adulto do mesmo sexo como modelo e menor reatividade às flutuações de pares no final dos 10 anos.

Bibliografia:

Cohen, L. & Waite-Stupiansky, S. (Eds,2017). Theories of early childhood education: Developmental, Behaviorist and Critical.  New York: Routledge.

Erikson, E. (1963). Childhood and society. 2nd ed. New York/London: W.W. Norton & Company Inc.

Lingiardi, V. & McWilliams, N. (Eds, 2017). Psychodynamic Diagnostic Manual: PDM-2. 2nd ed.  New York/London: The Guilford Press.

Piaget, J. (1976). La formation du symbole chez l'enfant. 6ª ed. Neuchâtel-Paris: Delachaux et Nietlé Editeurs.

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